sexta-feira, 23 de julho de 2010

O prazer alienante.

O homem é ávido por prazer. Sempre buscou, desde que adquiriu consciência, algum tipo de sensação que lhe cause satisfação, física ou mental. Dentre todos os animais, o ser humano é o único que sente prazer conscientemente e vai em busca desse prazer unicamente por ele. Diferente dos outros animais, em que sensações de satisfação servem unicamente como instrumento para determinada função biológica, como o acasalamento, por exemplo, o ser humano busca pelo prazer em si mesmo, somente por conta dessa sensação. Ávido pelo êxtase  buscamos sentir qualquer sensação que nos faça sentir, de alguma forma, livres de todo o stress e pressão. E fazemos isso conscientemente.

Nunca antes na história o ser humano tem acesso a tanto prazer. Como tudo na sociedade capitalista, o êxtase é vendido nas suas mais variadas formas, procurando atender todas as necessidades dos seus potenciais consumidores. Temos desde ofertas novas e bizarras, como o sadomasoquismo, aquelas baseadas na adrenalina, como nos esportes radicais, ou até mesmo aquelas que desde a muito tempo nos  acompanham , como a prostituição, ou estimulantes químicos, como drogas e álcool.  Seja qual for o tipo de prazer que o homem queira sentir, existe algo a venda no mercado, é só procurar.

Numa sociedade em que tudo acontece depressa demais, em que somos pressionados ao extremo, no trabalho, nos estudos ou nos relacionamentos. Numa sociedade em que se vive de resultados, onde a perfeição é cobrada de todos a todo o instante, onde a competitividade entre as pessoas beira a lei da selva, é natural que as pessoas, cansadas de tamanha pressão, busquem algo que as tirem da realidade por alguns momentos, que lhes proporcionem sensações diferentes  do stress a que são freqüentemente submetidas.  Nos dias atuais, procuramos por prazer não só pelo simples prazer, mas para escapar da realidade que nos sufoca, que cobra de nós mais do que nossas capacidades podem oferecer. Hoje queremos prazer a qualquer custo. Fugimos da dor e nos regozijamos no êxtase.

Mas não só para fugir dos problemas contemporâneos que procuramos prazer. Como já dito, o ser humano é o único animal que pode procurar por tais sensações sem nenhum motivo, apenas pelas sensações em si mesmas. Nesse sentido, procuramos o êxtase não como escape para nossos problemas, mas também num sentido existencial, fazendo dele uma meta, algo a ser alcançado e preservado. O prazer é o sentido único da vida, e tudo o que o ser humano faz é para sentir o máximo de tempo possível essas sensações.

Ocorre que tudo isso gera um problema: o prazer unicamente como forma de escape, ou o prazer por ele mesmo, como mero instrumento de satisfação pessoal, longe de trazer a solução para os problemas existenciais e sociais pelos quais passamos, gera, na verdade, alienação. Quando nos preocupamos em escapar da realidade por conta de reações químicas produzidas em nosso organismo, deixamos de pensar nas estruturas que fazem da nossa realidade ser do tipo nos faz querer fugir dela. Não paramos para pensar em como transformar o mundo em um mundo em que o prazer não seja forma de escape, mas um modo complementar de desenvolver nossa personalidade como seres humanos.  Da mesma forma o prazer enquanto sentido existencial, longe de nos libertar, nos torna escravos dos nossos próprios sentidos, de modo que não agimos a fim de nos desenvolvermos enquanto seres complexos, dotados de inúmeras capacidades, mas apenas como animais que tentam correr desesperadamente para a satisfação de sentidos que não fazem outra coisa que não nos aprisionar. Tornamos-nos escravos de nós mesmos.

Independente em qual desses dois tipos de prazer em que pensamos, o que se busca, em ultima instancia, é uma fuga, seja da realidade, seja dos nossos instintos. Ocorre que a conseqüência é sempre a mesma: decepção. Quando nosso organismo volta ao normal e a sensação de êxtase se esvai, percebemos que a realidade social não mudou e os motivos que nos fazem querer fugir continuam lá. Ou então percebemos que ainda continuamos escravos dos nossos sentidos, e passamos a correr novamente, desesperados, procurando conte-los a todo custo. O efeito é o mesmo de um paciente num hospital que, sofrendo de dor por conta de uma doença grave, se trata apenas na base de morfina: a dor passa na hora, mas a doença continua lá, matando-o aos poucos.

Muito mais do que correr desesperadamente atrás de um prazer irrefletido, temos que procurar transformar tanto as estruturas opressoras da nossa sociedade, bem como refletir e procurar vencer a escravidão dos nossos sentidos. Desse modo, qualquer tipo de prazer que venhamos a ter será reflexo do nosso desenvolvimento enquanto seres humanos, não apenas fuga, alienação, escravidão e satisfação das nossas necessidades egoísticas.

Quando conseguirmos nos livrar dessas coisas será prazeroso perceber que vencemos o mundo e a nós mesmos.

sábado, 17 de julho de 2010

Vida difícil e fácil..

É engraçado como os seres humanos, quando vão decidir o caminho que irão tomar na vida, via de regra, acabam optando pelo caminho mais fácil, por aqueles que dão menos trabalho de seguir, por aqueles que exigem menos esforço. O homem sempre procura por facilidade. Quer alcançar os seus objetivos da maneira mais simples possível e sem que tenha que fazer grandes sacrifícios. É até compreensível que assim deseje, afinal, por que viver uma vida cheia de riscos, se esforçando por um ideal mais nobre, por ser diferente da massa se isso implica em fazer escolhas difíceis, sérias e que, no fim, podem se mostrar equivocadas? O mais lógico e mais racional parece ser queremos ter tudo com o menor dos ônus. Eis o senso comum.

Por mais que eu concorde que, na medida do possível é sim legitimo que tenhamos mais comodidade, e por mais que eu não deseje fazer uma apologia do sofrimento como único modo de vida autentico a ser vivido, a meu ver, fica claro que a escolha pela vida fácil sem reflexão  pode trazer mais problemas que soluções. Isso por um motivo que, paradoxalmente, é extremamente simples: as nossas atitudes que realmente valem a pena são escolhas difíceis e as atitudes que seguem esses escolhes também são difíceis e são difíceis porque envolvem renuncia do nosso próprio ser em prol de alguém ou de alguma coisa.  Se duvidam disso, basta pensarmos na renuncia que fazemos do nosso próprio ser quando amamos alguém; na renúncia que fazemos das diversões e dos prazeres quando estamos empenhados em passar no vestibular; ou no sacrifício que fazem os voluntários que abrem mão do seu individualismo em prol de pessoas que sequer conhecem. Eis ai exemplos de que as melhores escolhas da vida não são escolhas fáceis, mas implicam sempre em renuncia, e é esse tipo de renúncia que não estamos dispostos a fazer. Preferimos continuar vivendo na mesmice de uma vida sem graça do que renunciarmos ao nosso conforto em prol da busca por um significado mais profundo para nossa existência. Para usar um feliz exemplo retirado de um famoso livro que li, o ser humano parece viver no interior do pelo de um coelho. Prefere se manter quietinho e confortável entre os pelos do coelho do que escalá-los e ver o que existe acima deles. Não se essas foram as palavras exatas usadas pelo autor, mas a idéia é sempre de conformismo e procura pela facilidade. Eis o padrão das nossas escolhas.

O fato é que escolher viver uma vida fácil de forma acrítica não é benéfico, não nos permite entender a complexidade da vida e a imensa variedade de situações com as quais temos que lidar. Viver apenas facilmente nos impede de enxergar que é de sacrifícios que vem as nossas conquistas e nos ilude com o comodismo, pois pensamos que a perfeição ou o ideal foi alcançado. Fecha os nossos olhos para a realidade dos sem teto, dos doentes, dos refugiados, dos marginalizados e de todos aqueles que, longe de terem uma vida fácil, vivem um sacrifício diário.

A pouco mais de dois mil anos um Homem de Nazaré, uma cidadezinha sem importância da atual Palestina,  disse que o caminho que vale a pena era estreito, pois é um caminho que implica em renuncia, sacrifício, entrega e reflexão. Se o que Ele diz é verdade, cabe a nós decidirmos continuar andando pelo caminho largo, escondidos no fundo dos pelos do coelho ou nos aventuramos a escalá-los, conhecendo a vida como ela realmente é e  transformando-a no que tiver que ser transformada.