sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Telemarketing, pragmatismo e o mundo moderno

O mundo moderno é um mundo muito estranho. É estranho porque, por algum motivo misterioso, confiou demasiadamente no homem, ao ponto de acreditar que esse mesmo homem fosse capaz de criar um mundo, no dizer dos revolucionários franceses, cheio de liberdade, igualdade e fraternidade. Mas apesar de todas as promessas de um mundo melhor, tudo o que os liberais precursores da revolução conseguiram criar foi o Call Center. O call Center sim é aquilo que mais consegue caracterizar o nosso mundo, muito mais que qualquer fantasia otimista que qualquer iluminista jamais sonhou.

Todo mundo que foi atendido por um operador de telemarketing sabe o que esperar: informações desconexas e imprecisas e um precioso desperdício de tempo tentando obter informações sobre produtos que não precisa de uma pessoa que na maioria das vezes não entende do que está falando. Mas calma, não culpem o pobre operador. Não o culpem, pois a sua incapacidade de fazer o que deveria é uma conseqüência direta de um trabalho ultrajante, mecânico, sem graça, e humilhante. Afinal de contas, por melhor que seja o call Center, ninguém gosta de ser pago para ser xingado por não poder resolver problemas que não causou. Em outras palavras, fora um ou outro gesto de solidariedade que os operadores mostram um pelo outro, a existência do call Center no mundo é um claro sinal de que a liberdade e fraternidade, tal almejada pelo revolucionário francês, não aconteceu; ou pelo menos não como o povo que tomou parte na revolução esperava.

Que o telemarketing é um trabalho maçante é um truísmo. E também é um truísmo o fato dele ser necessário ao funcionamento do nosso mundo. Mas é justamente o fato dele ser necessário ao nosso mundo que o torna curioso. Ele é a prova de que o mundo que o homem criou é um mundo de cabeça para baixo. Se não, vamos pensar um pouco: criamos uma sociedade que tem no consumo de massa o motor do seu funcionamento. Num mundo em que produtos e serviços são oferecidos massivamente e as empresas devem oferecer o atendimento necessário a massa consumidora, o surgimento de uma central de atendimento telefônico pronta para prestar atendimento para todos os consumidores daquele produto é mais um truísmo.

Esse quadro também aponta para uma outra verdade, essa sim assustadora: os homens modernos só criam aquilo que é útil para o funcionamento do daquilo que criam. O moderno racionalista criou um mundo não de homens livres, mas de uma massa assalariada que, para fazer a economia girar, deve consumir uma série de bugigangas de valor altamente questionável. Como foi digo, no mundo criado pelos modernos, o Call Center é necessário. Ora, se algo degradado como o Call Center é necessário para o funcionamento do mundo, então é o que está realmente degradado é o mundo.

Isso nos leva a pensar no tipo de mundo que estamos criando. Um mundo onde a lógica fria do pragmatismo não nos leva a refletir criticamente se é isso que realmente queremos para nós ou se o mundo que estamos criando é realmente o que satisfará nossas necessidades reais. Afinal, que tipo de liberdade, igualdade e fraternidade pode existir num mundo em que, para satisfazer necessidades que muitas vezes não são necessárias, prende-se uma pessoa a uma mesa com um telefone que não para de tocar, com um trabalho incapaz de desenvolver sua intelectualidade e capacidade? Por que precisamos de um mecanismo que muitas vezes tudo o que faz é causar perda de tempo e descontentamento para quem quer ver seu produto ou serviço funcionando corretamente? Será que esse mundo é realmente necessário?

Mais de que um mundo onde o simples pragmatismo,que não vai além das necessidades imediatas do próprio mundo criado, precisamos raciocinar se o mundo criado pelo homem é realmente um mundo em que vale a pena se viver. Que tenhamos esse senso crítico.

sábado, 13 de novembro de 2010

Reflexão sobre a natureza humana.

Durante milênios pensadores de todos os tipos, filósofos, teógolos e cientistas, têm tentado descobrir qual é aquilo que chamam de “natureza humana”. Por natureza humana deve-se entender aquilo que há de mais essencial no ser humano que o distingue dos outros animais. É descobrindo qual é a nossa verdadeira natureza que poderemos dizer o que é de fato humano e o que não é. Trata-se de uma característica que não apenas nos distingue dos outros animais, mas por ser fundamental, é determinante do nosso modo de agir, condicionando todas as demais ações que praticamos, pois tem nessa natureza seu núcleo fundamental.

Diversas respostas já foram dadas tentando responder a pergunta sobre qual é essencialmente a natureza do homem. Acho que posso dividi-las basicamente em três grandes grupos: as explicações religiosas- teológicas, as histórico-sociológicas e as naturalistas-cientificas. Tentarei expor muito brevemente cada uma dessas formas de se considerar a questão para depois expor o que eu penso a respeito. Não esperem exatidão conceitual pelo fato de serem explicações muito breves e generalizantes, principalmente pelo fato de em cada um desses grupos de respostas haverem divergências de enfoques e conseqüências, muito embora que acredito que se aproximem um pouco em termos mais gerais.

O primeiro grande grupo de respostas para a questão fundamental da natureza do homem é a religioso-teológica. Nesse modo de ver, a natureza básica do homem é determinada diretamente pela vontade de um Deus ou grupo de deuses criadores do mundo e do homem. O ser humano é aquilo que a divindade que o criou queria que ele fosse. Aqui existe uma relação direta entre a vontade de Deus e a vontade do homem, pois é Deus quem determina o homem e todas as características fundamentais que pautará sua ação.
Essa perspectiva é muito ampla, pois, como sabemos, existem diversas religiões que dentro da sua especificidade vêem a espécie humana de modo distinto, mas o que é importante aqui é ressaltar que o homem e sua natureza provêm de uma criação divina. Logo, existe uma maneira correta do homem agir, e essa maneira é aquela que não contraria a vontade da divindade.

Dentro desse modo de ver as coisas, gostaria de analisar mais de perto a visão de mundo proposto pela teologia cristã,  pelo simples fato de ter sido a cosmovisão cristã que dominou fundamentalmente o mundo ocidental por quase dois mil anos. Não se pode ignorar a importância daquilo que o cristianismo tradicional entende por natureza do homem pois esse modo de pensar ainda hoje exerce uma influencia decisiva em todo o mundo ocidental.

O cristianismo tradicional (e é bom que isso fique bem claro) vê o homem como um ser decaído. O ser humano pende para o mal de uma forma tão irresistível que ele é, por natureza, um ser afastado de Deus, que é o bem absoluto. Essa natureza decaída do homem o impede de praticar boas obras, a despeito de tudo que faça que seja pretensamente bom. Não há boa ação que o homem pratique que o traga para perto de Deus. A única forma do homem se redimir é através de uma ação de Deus em sua vida, visto que a mancha do pecado, que maculou o homem quando ele comeu a maçã no paraíso, mina todas as suas chances de ser visto bom aos olhos de Deus.

Em suma, para a visão cristã tradicional o homem é um ser que naturalmente pende para o mal, pois a mancha do pecado original está permanentemente em sua vida de um modo que somente a obra de Deus pode lhe salvar. É importante observar que, muito embora essa mancha do pecado na vida do homem não seja resultado da vontade divina, o homem foi criado fundamentalmente para fazer a vontade de Deus, logo é essa vontade que determina a natureza do homem.

A segunda abordagem, a histórico-sociológica é muito mais recente e os motivos que levaram a sua construção são complexos e não cabe serem aqui discutidos. Essa visão defende fundamentalmente que o homem não é fruto de uma vontade divina universal que se impõe aos seres humanos de uma forma inescapável. Ao contrário, a natureza do homem é social e histórica são as relações sociais que determinam, num  determinado momento histórico, a ação concreta do ser humano. Note-se que essa visão é materialista pois defende que são as relações materiais concretas entre os homens que determinam seu modo de viver. Mas essa aborgadem ainda não diz qual o tipo de relação social especifica que determina o modo de ser do homem.

Quem melhor respondeu essa questão foi o filosofo alemão Karl Marx. Defendendo a visão materialista do mundo, de que são as relações materiais concretas do homem que definem tudo em sua vida, desde a religião ao próprio modo de pensar, Marx definiu como relação material fundamental entre os homens as relações de produção. Por relações de produção deve-se entender o modo como os homens produzem os bens que necessitam num determinado momento histórico. Essas relações formam a infraestrutura fundamental que determina a superestrutura das relações humanas, que são a cultura, a política e a religião. Esse modo de ver exclui Deus da história na medida que diz que são as relações sociais em geral, e as relações de produção em particular, que  moldam a natureza do homem e seu modo de agir e de pensar.

Mais recente que essa abordagem é a visão naturalista-cientificista. Essa cosmovisão defende que não é Deus nem as relações sociais desenvolvidas na história que explicam a verdadeira natureza do homem. Essa é determinada, no sentido mais específico da palavra, pela sua constituição biológica. São as terminações nervosas cerebrais, as células e, mais fundamentalmente, os genes, que determinam rigorosamente as ações, pensamentos e explicam o porquê o ser humano age de determinada forma e não de outra. É na teoria da evolução de Darwin que essa idéia encontra seu pensamento mais acabado.

Segundo Darwin os animais em geral são fruto de uma longa e complexa evolução das suas características físicas. Começou com as mais fundamentais proteínas e culminou em toda a complexa biodiversidade que conhecemos. Essa evolução se dá através das necessidades de sobrevivência dos seres vivos as condições que o planeta apresenta. Os mais aptos sobrevivem e nosso modo de pensar e de agir é reflexo imediato dessa luta pela sobrevivência. Em suma, não existe liberdade. Tudo o que existe são nossos impulsos naturais que são determinados diretamente pela nossa constituição biológica. Não deixa de ser uma visão determinista do homem e da história, posto que ao homem cabe apenas compreender e viver o mundo conforme sua natureza.

Essas explicações objetivam fundamentalmente explicar e justificar o porquê do homem tomar determinadas atitudes no mundo. Tentam explicar as ações concretas do homem buscando para elas uma causa fundamental. A perspectiva religiosa atribui essas ações a uma divindade ou, no caso da teologia cristã, no ato de desobediência a divindade. A visão sociológica atribui as relações sociais do homem e, mais especificamente no marxismo, as relações de produção, o motor de explicação de todo o resto. A visão naturalista vê o homem fundamentalmente como resultado da sua constituição física, que surgiu das necessidades evolutivas expressas na teoria darwiniana.

Essas explicações em minha visão são todas criticáveis por um motivo primordial: por tentarem reduzir a natureza do homem a uma característica fundamental que o informa, acabam por empreender um reducionismo que não resolve a questão, antes deixa outras questões abertas. Ora, se isso não é verdade, falta teologia cristã explicar o porquê existe o belo e o bom no mundo se homem por si mesmo não pode fazer a vontade de Deus, posto que decaído. A visão sociológica não explica o porquê o homem se reúne em sociedade e porque essa característica é tão fundamental ao ser humano e porque num determinado período um modo de produção se sobrepõe a outro. A visão naturalista não explica porque o homem se volta a questões não naturais como Deuses, ou abstrações como o amor. Se tudo é movido pelas suas necessidades naturais, não faz sentido que o homem ocupe tanto do seu tempo com questões não naturais.

Minha visão é a do homem como paradoxo. Paradoxo é basicamente uma idéia que expressa uma contradição em si mesma. É algo que, em si mesmo, parece levar ao seu contrário. Na minha visão, não existe nada que possa descrever o homem em sua trajetória na história com maior perfeição do que o paradoxo. O paradoxo da humanidade está justamente no fato dela ter a capacidade de se reinventar e ir contra tudo o que se espera dela. O ser humano é uma contradição em espécie, que parece trazer em si o mal e o bem, o bom e o belo, o sagrado e o profano, tudo isso ao mesmo tempo.

Temos diversos exemplos na história de massacres providos pelos humanos contra os seus semelhantes, como as cruzadas, as diversas guerras santas, o preconceito, os genocídios, as limpezas étnicas e etc. Se tudo isso nos dá margem a decretar que o ser humano é uma criatura decaída,  fruto de relações sociais tortas ou que faz parte de algum tipo de mecanismo natural fruto de uma evolução sem sentido, também não faltam exemplos de manifestações do belo e do bom na nossa história. Podemos citar as diversas obras de arte, a musica, a poesia, a comédia e a filosofia. As lutas políticas pela liberdade e contra o pré-conceito. Os atos de pessoas como Francisco de Assis, Madre Tereza, Albert Schwaitzer, Martin Luther King que dedicaram as suas vidas a fomentar o bem e a caridade entre as pessoas. Mesmo aqueles que vivem cometendo atos de maldade e injustiças praticaram, em algum momento de suas vidas, ações que poderiam ser consideradas justas. Poncio Pilatos, que era um tirano, resistiu até o ultimo momento a mandar Jesus para cruz, pois não viu mal naquele homem. Pode-se dizer que, se o fez, foi por pura covardia de fazer impor sua vontade sobre a do povo que escolheu por matá-lo.

Em suma, se existe uma natureza do homem ela não pode ser procurada numa característica única que determine todo o resto. A natureza do homem é complexa e somente o paradoxo pode explicar mais completamente todas as diversas manifestações humanas no decorrer da história. E mais do que explicar, uma vez que compreendemos que o homem é apto tanto para o bem como para o mal, somos capazes de nos esforçar para fazer com que o bem de nossa natureza sobrepuje ao mal através da ação concreta na história. Falando em termos de teologia cristã, a imagem do paradoxo não nos deixa perder a esperança, pois, se temos a mancha do pecado em nós que nos faz pender em nós, temos também, ao mesmo tempo, a Imagem de Deus em nosso espírito, que nos impulsiona para bem e que somos capazes de fazer essa imago dei brilhar mais que a escuridão.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

O Messianismo Político

O antigo povo de Israel, desde a época dos profetas, espera pelo Messias. Sendo um enviado direto de Deus para o povo judeu, ele seria responsável pela libertação política da Israel, expulsando todos aqueles que se atreveram a subjugar povo escolhido de Deus. O messias traria de volta a paz a Israel, restauraria o templo de Javé,  restabeleceria a antiga monarquia Davídica e traria nova gloria aos filhos de Abraão.

Se é verdade ou não a história de que o Messias já veio a terra na pessoa de Jesus Cristo, e eu acredito nisso, não é que eu quero discutir aqui. O curioso nessa história é que ela mostra uma face interessante da natureza humana: a de que ela está sempre à espera de um libertador. Está sempre esperando que apareça algum heróico paladino que será aquele responsável por trazer paz e alegria a um povo. É a eterna crença de que um homem fará as vezes de deus, e suprirá todas as necessidades do homem, trazendo a ele paz e segurança.

A história nos mostra que não faltaram homens que achavam serem deuses. Os faraós eram a própria encarnação de Rá. Os césares romanos gostavam de ser tratados como eternos. Os monarcas absolutistas, se não eram deuses, estavam no poder por ser essa a própria vontade de Deus . Em suma, o homem sempre quis ser deus e sempre houve homens que queriam fazer dos homens seus próprios deuses.

Em épocas de eleições, como essa que estamos passando agora, essa descrição se torna ainda mais evidente. O que vemos nas propagandas dos diversos partidos políticos é a imagem do próprio Messias. O candidato é aquele que irá resolver nossos problemas em saúde e educação. Somos apresentados ao verdadeiro enviado dos céus, que dará emprego a todos e erradicará a pobreza. Tudo o que a propaganda eleitoral faz e nos vender a idéia de que um homem será o responsável por curar todas as nossas feridas e nos levar a um novo paraíso, onde tudo será perfeito e nossos problemas serão resolvidos.

Esse tipo de ilusão tem que ser afastada das nossas mentes. Longe de serem verdadeiros salvadores, temos que saber que o que está por trás de cada um desses candidatos são ideologias das mais diversas que irão guiar aquilo que seu governo irá realizar enquanto estiver no poder. A pessoa que está a frente do partido representa um conjunto de idéias sustentada pelas pessoas que os apóiam. Longe de ser um paladino da justiça, o candidato moderno é o representante de uma determinada idéia política que irá fazer o seu governo.
Temos que tirar da nossa cabeça a idéia de um candidato como o salvador das nossas almas e passar a ver o que está por trás do candidato, suas idéias, pessoas que o apóiam e a ideologia que o informa e, a partir disso, ver se ele é o mais adequado a situação que o nosso país vive no tempo em que ele se apresenta. Somente vendo o candidato dessa forma sóbria é que poderemos avaliá-lo de verdade e fazer uma escolha de verdade.

O Messias já foi enviado por Deus e já fez o seu trabalho. Quanto aqueles que se apresentam como ele, tudo o que nos resta é parar de vê-los como tais e passar a ver o que está por trás deles. Que tenhamos esse discernimento.

sábado, 21 de agosto de 2010

A virtude no nosso mundo

Como ser virtuoso no mundo contemporâneo?

A pergunta não é irrelevante: na esteira da modernidade, no pós modernismo, apesar da critica que esse modo de ver o mundo faz da própria modernidade, ainda impera um conceito fundamental dos modernos e um dos pilares do nosso modo de produção capitalista: o individualismo. Por individualismo devemos conceber o modo de pensar que coloca o individuo como centro e ponto de partida de toda reflexão. O mundo, as relações entre as pessoas, o sistema econômico e até o próprio pensamento são vistos a partir do individuo. Como entidade fim de tudo que há no mundo, o individuo tomado isoladamente é alvo e fundamento de todo o modo de ver o mundo desde os modernos.

Ao contrário da filosofia individualista ensina, a virtude é um poder, uma ação, uma disposição que, desde a antiguidade somente se dirige ao outro, ao próximo, a outro ser humano. No dizer de Aristóteles, a virtude é o bem para o outro. Ora, ninguém pode ser virtuoso para consigo mesmo, se não, como conseguiria apreender a virtude que sai de si?  A virtude é a ação que, dirigida a outra pessoa, transforma a própria pessoa que o pratica. No exemplo clássico da justiça, a virtude por excelência para Aristóteles, se eu pratico a justiça me torno justo. A ação modificou o sujeito. E a justiça sempre deve ser praticada levando-se em conta a existência de outra pessoa. Em sua, o agir virtuoso sempre dirige-se ao próximo, ao coletivo, não ao individual.

Eis ai o problema da virtude no mundo contemporâneo: se hoje pensamos o homem na sua relação com os outros a partir da sua própria individualidade, como agir virtuosamente se o próprio conceito de virtude exige que se pense não no individuo em si, mas na sua relação com os outros? Sendo a virtude o bem para o outro, pensar em fazer da virtude um modo de vida num mundo onde impera o  individualismo, em que cada um age em nome dos seus próprios interesses, torna-se um desafio incomensurável, que acaba por desfigurar o próprio conceito de virtude, que agora é visto como um bem para si próprio. Basta pensar no modo como pensamos, por exemplo, o amor, uma das virtudes mais conhecidas. Hoje pensamos no amor como mero sentimento individual, algo que surge com o individuo e morre com ele. Hoje vemos o amor apenas como uma sensação, não como um ato dirigido a outra pessoa. O modo de pensar individualista impregnou a própria virtude, que antes não era nada em si mesma, mas ganhava sentido na medida da diferença que fazia para o próximo.

Jesus Cristo é o melhor exemplo do agir virtuoso. Todo o seu evangelho é calcado no ação de Deus para com o homem e do homem para com o próximo. O amor era visto como o fazer ao outro o que fazer a si mesmo. A virtude necessariamente deve servir não a si mesmo ou ao seu próprio interesse egoísta, mas deveria servir para levar o amor de Deus a quem a recebesse. A morte expiatória na cruz, que salva as pessoas pela graça de Deus, liberta as pessoas de fazerem algo para que possam conseguir algo que lhes interessa individualmente ou qualquer recompensa, mas como é pautada na graça, a virtude pode ser aquilo que sempre foi: ação desinteressada, calcada no próximo, sempre tendo em vista a pessoa que a receberá.

Se o mundo é um mundo de relações entre pessoas, e a virtude é o modo por excelência de se relacionar com as pessoas, que ela volte ao seu devido lugar, que é fora da pessoa que a pratica.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Escolhas...

Dificilmente paramos para pensar no quanto nossa vida pode ser descrita apenas fazendo um aparato das escolhas que fizemos enquanto vivemos. Não percebemos que o modo como estamos agora é reflexo direto de decisões que tomamos em algum momento de nossa vida. Por mais que possamos abstrair conceitos ou pensar em idéias, são as escolhas concretas que tomamos em frente a determinada realidade que determinam o rumo da nossa vida. Muito embora deva admitir que o meio em que vivemos e as nossas necessidades influenciem a escolha que tomamos, não seria nenhum exagero admitir que somos um reflexo das nossas decisões, e a única forma de analisarmos quem somos é analisarmos a história que construímos com nossas atitudes.

Tomando isso por base podemos nos perguntar: que tipos de escolha tomar? O que fazer frente a determinada situação? Por que decidir pelo caminho A em detrimento do caminho B? Em ultima análise, quando nos perguntamos o que devemos escolher, na verdade estamos nos perguntando que tipo de vida queremos construir. Através nossas escolhas, decidimos se faremos a diferença sou se apenas viveremos vegetativamente, esperando a hora da morte chegar. Com nossas escolhas ficam os nossos legados que, inseridos na história, podem mostrar quem realmente somos, o que queremos que as pessoas vejam na gente, qual a marca que deixaremos no mundo.

O mundo moderno é paradoxal quanto a isso pois na medida em que nos oferece diversas opções de escolha em todos os sentidos, desde que carro comprar, que faculdade fazer, com qual garota(o) se relacionar, ele ao mesmo tempo nos aliena no sentido de não nos preparar, ou não nos mostrar, que as escolhas que fazemos geram conseqüências para nossas vidas e para a vida das pessoas que nos rodeiam.  No mundo contemporâneo queremos escolher tudo, mas não queremos assumir a escolha de nada. Isso, na verdade, significa nada escolher, pois na medida em que não queremos assumir as conseqüências da escolha, passamos a deixar de vivê-la em sua plenitude. Somos como hipócritas que formalmente dizemos viver de determinada forma não a vivemos em caráter substancial.

Nossa história não está pré-definida, mas é um como um livro a ser escrito, como um prédio em construção. Como o prédio que será construído, nossas escolhas precisam estar fundamentadas em um bom alicerce. Como no livro que será escrito, precisa ser pautada por boas idéias e reflexão sobre as implicações que essas escolhas terão.

Que possamos ser sábios o bastante para escolher aquilo que for melhor para nós e para o mundo em que vivemos. E que possamos viver de verdade nossas escolhas. Se fizermos isso, no momento de nossa morte poderemos ver quem realmente somos.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

O prazer alienante.

O homem é ávido por prazer. Sempre buscou, desde que adquiriu consciência, algum tipo de sensação que lhe cause satisfação, física ou mental. Dentre todos os animais, o ser humano é o único que sente prazer conscientemente e vai em busca desse prazer unicamente por ele. Diferente dos outros animais, em que sensações de satisfação servem unicamente como instrumento para determinada função biológica, como o acasalamento, por exemplo, o ser humano busca pelo prazer em si mesmo, somente por conta dessa sensação. Ávido pelo êxtase  buscamos sentir qualquer sensação que nos faça sentir, de alguma forma, livres de todo o stress e pressão. E fazemos isso conscientemente.

Nunca antes na história o ser humano tem acesso a tanto prazer. Como tudo na sociedade capitalista, o êxtase é vendido nas suas mais variadas formas, procurando atender todas as necessidades dos seus potenciais consumidores. Temos desde ofertas novas e bizarras, como o sadomasoquismo, aquelas baseadas na adrenalina, como nos esportes radicais, ou até mesmo aquelas que desde a muito tempo nos  acompanham , como a prostituição, ou estimulantes químicos, como drogas e álcool.  Seja qual for o tipo de prazer que o homem queira sentir, existe algo a venda no mercado, é só procurar.

Numa sociedade em que tudo acontece depressa demais, em que somos pressionados ao extremo, no trabalho, nos estudos ou nos relacionamentos. Numa sociedade em que se vive de resultados, onde a perfeição é cobrada de todos a todo o instante, onde a competitividade entre as pessoas beira a lei da selva, é natural que as pessoas, cansadas de tamanha pressão, busquem algo que as tirem da realidade por alguns momentos, que lhes proporcionem sensações diferentes  do stress a que são freqüentemente submetidas.  Nos dias atuais, procuramos por prazer não só pelo simples prazer, mas para escapar da realidade que nos sufoca, que cobra de nós mais do que nossas capacidades podem oferecer. Hoje queremos prazer a qualquer custo. Fugimos da dor e nos regozijamos no êxtase.

Mas não só para fugir dos problemas contemporâneos que procuramos prazer. Como já dito, o ser humano é o único animal que pode procurar por tais sensações sem nenhum motivo, apenas pelas sensações em si mesmas. Nesse sentido, procuramos o êxtase não como escape para nossos problemas, mas também num sentido existencial, fazendo dele uma meta, algo a ser alcançado e preservado. O prazer é o sentido único da vida, e tudo o que o ser humano faz é para sentir o máximo de tempo possível essas sensações.

Ocorre que tudo isso gera um problema: o prazer unicamente como forma de escape, ou o prazer por ele mesmo, como mero instrumento de satisfação pessoal, longe de trazer a solução para os problemas existenciais e sociais pelos quais passamos, gera, na verdade, alienação. Quando nos preocupamos em escapar da realidade por conta de reações químicas produzidas em nosso organismo, deixamos de pensar nas estruturas que fazem da nossa realidade ser do tipo nos faz querer fugir dela. Não paramos para pensar em como transformar o mundo em um mundo em que o prazer não seja forma de escape, mas um modo complementar de desenvolver nossa personalidade como seres humanos.  Da mesma forma o prazer enquanto sentido existencial, longe de nos libertar, nos torna escravos dos nossos próprios sentidos, de modo que não agimos a fim de nos desenvolvermos enquanto seres complexos, dotados de inúmeras capacidades, mas apenas como animais que tentam correr desesperadamente para a satisfação de sentidos que não fazem outra coisa que não nos aprisionar. Tornamos-nos escravos de nós mesmos.

Independente em qual desses dois tipos de prazer em que pensamos, o que se busca, em ultima instancia, é uma fuga, seja da realidade, seja dos nossos instintos. Ocorre que a conseqüência é sempre a mesma: decepção. Quando nosso organismo volta ao normal e a sensação de êxtase se esvai, percebemos que a realidade social não mudou e os motivos que nos fazem querer fugir continuam lá. Ou então percebemos que ainda continuamos escravos dos nossos sentidos, e passamos a correr novamente, desesperados, procurando conte-los a todo custo. O efeito é o mesmo de um paciente num hospital que, sofrendo de dor por conta de uma doença grave, se trata apenas na base de morfina: a dor passa na hora, mas a doença continua lá, matando-o aos poucos.

Muito mais do que correr desesperadamente atrás de um prazer irrefletido, temos que procurar transformar tanto as estruturas opressoras da nossa sociedade, bem como refletir e procurar vencer a escravidão dos nossos sentidos. Desse modo, qualquer tipo de prazer que venhamos a ter será reflexo do nosso desenvolvimento enquanto seres humanos, não apenas fuga, alienação, escravidão e satisfação das nossas necessidades egoísticas.

Quando conseguirmos nos livrar dessas coisas será prazeroso perceber que vencemos o mundo e a nós mesmos.

sábado, 17 de julho de 2010

Vida difícil e fácil..

É engraçado como os seres humanos, quando vão decidir o caminho que irão tomar na vida, via de regra, acabam optando pelo caminho mais fácil, por aqueles que dão menos trabalho de seguir, por aqueles que exigem menos esforço. O homem sempre procura por facilidade. Quer alcançar os seus objetivos da maneira mais simples possível e sem que tenha que fazer grandes sacrifícios. É até compreensível que assim deseje, afinal, por que viver uma vida cheia de riscos, se esforçando por um ideal mais nobre, por ser diferente da massa se isso implica em fazer escolhas difíceis, sérias e que, no fim, podem se mostrar equivocadas? O mais lógico e mais racional parece ser queremos ter tudo com o menor dos ônus. Eis o senso comum.

Por mais que eu concorde que, na medida do possível é sim legitimo que tenhamos mais comodidade, e por mais que eu não deseje fazer uma apologia do sofrimento como único modo de vida autentico a ser vivido, a meu ver, fica claro que a escolha pela vida fácil sem reflexão  pode trazer mais problemas que soluções. Isso por um motivo que, paradoxalmente, é extremamente simples: as nossas atitudes que realmente valem a pena são escolhas difíceis e as atitudes que seguem esses escolhes também são difíceis e são difíceis porque envolvem renuncia do nosso próprio ser em prol de alguém ou de alguma coisa.  Se duvidam disso, basta pensarmos na renuncia que fazemos do nosso próprio ser quando amamos alguém; na renúncia que fazemos das diversões e dos prazeres quando estamos empenhados em passar no vestibular; ou no sacrifício que fazem os voluntários que abrem mão do seu individualismo em prol de pessoas que sequer conhecem. Eis ai exemplos de que as melhores escolhas da vida não são escolhas fáceis, mas implicam sempre em renuncia, e é esse tipo de renúncia que não estamos dispostos a fazer. Preferimos continuar vivendo na mesmice de uma vida sem graça do que renunciarmos ao nosso conforto em prol da busca por um significado mais profundo para nossa existência. Para usar um feliz exemplo retirado de um famoso livro que li, o ser humano parece viver no interior do pelo de um coelho. Prefere se manter quietinho e confortável entre os pelos do coelho do que escalá-los e ver o que existe acima deles. Não se essas foram as palavras exatas usadas pelo autor, mas a idéia é sempre de conformismo e procura pela facilidade. Eis o padrão das nossas escolhas.

O fato é que escolher viver uma vida fácil de forma acrítica não é benéfico, não nos permite entender a complexidade da vida e a imensa variedade de situações com as quais temos que lidar. Viver apenas facilmente nos impede de enxergar que é de sacrifícios que vem as nossas conquistas e nos ilude com o comodismo, pois pensamos que a perfeição ou o ideal foi alcançado. Fecha os nossos olhos para a realidade dos sem teto, dos doentes, dos refugiados, dos marginalizados e de todos aqueles que, longe de terem uma vida fácil, vivem um sacrifício diário.

A pouco mais de dois mil anos um Homem de Nazaré, uma cidadezinha sem importância da atual Palestina,  disse que o caminho que vale a pena era estreito, pois é um caminho que implica em renuncia, sacrifício, entrega e reflexão. Se o que Ele diz é verdade, cabe a nós decidirmos continuar andando pelo caminho largo, escondidos no fundo dos pelos do coelho ou nos aventuramos a escalá-los, conhecendo a vida como ela realmente é e  transformando-a no que tiver que ser transformada.