sábado, 21 de agosto de 2010

A virtude no nosso mundo

Como ser virtuoso no mundo contemporâneo?

A pergunta não é irrelevante: na esteira da modernidade, no pós modernismo, apesar da critica que esse modo de ver o mundo faz da própria modernidade, ainda impera um conceito fundamental dos modernos e um dos pilares do nosso modo de produção capitalista: o individualismo. Por individualismo devemos conceber o modo de pensar que coloca o individuo como centro e ponto de partida de toda reflexão. O mundo, as relações entre as pessoas, o sistema econômico e até o próprio pensamento são vistos a partir do individuo. Como entidade fim de tudo que há no mundo, o individuo tomado isoladamente é alvo e fundamento de todo o modo de ver o mundo desde os modernos.

Ao contrário da filosofia individualista ensina, a virtude é um poder, uma ação, uma disposição que, desde a antiguidade somente se dirige ao outro, ao próximo, a outro ser humano. No dizer de Aristóteles, a virtude é o bem para o outro. Ora, ninguém pode ser virtuoso para consigo mesmo, se não, como conseguiria apreender a virtude que sai de si?  A virtude é a ação que, dirigida a outra pessoa, transforma a própria pessoa que o pratica. No exemplo clássico da justiça, a virtude por excelência para Aristóteles, se eu pratico a justiça me torno justo. A ação modificou o sujeito. E a justiça sempre deve ser praticada levando-se em conta a existência de outra pessoa. Em sua, o agir virtuoso sempre dirige-se ao próximo, ao coletivo, não ao individual.

Eis ai o problema da virtude no mundo contemporâneo: se hoje pensamos o homem na sua relação com os outros a partir da sua própria individualidade, como agir virtuosamente se o próprio conceito de virtude exige que se pense não no individuo em si, mas na sua relação com os outros? Sendo a virtude o bem para o outro, pensar em fazer da virtude um modo de vida num mundo onde impera o  individualismo, em que cada um age em nome dos seus próprios interesses, torna-se um desafio incomensurável, que acaba por desfigurar o próprio conceito de virtude, que agora é visto como um bem para si próprio. Basta pensar no modo como pensamos, por exemplo, o amor, uma das virtudes mais conhecidas. Hoje pensamos no amor como mero sentimento individual, algo que surge com o individuo e morre com ele. Hoje vemos o amor apenas como uma sensação, não como um ato dirigido a outra pessoa. O modo de pensar individualista impregnou a própria virtude, que antes não era nada em si mesma, mas ganhava sentido na medida da diferença que fazia para o próximo.

Jesus Cristo é o melhor exemplo do agir virtuoso. Todo o seu evangelho é calcado no ação de Deus para com o homem e do homem para com o próximo. O amor era visto como o fazer ao outro o que fazer a si mesmo. A virtude necessariamente deve servir não a si mesmo ou ao seu próprio interesse egoísta, mas deveria servir para levar o amor de Deus a quem a recebesse. A morte expiatória na cruz, que salva as pessoas pela graça de Deus, liberta as pessoas de fazerem algo para que possam conseguir algo que lhes interessa individualmente ou qualquer recompensa, mas como é pautada na graça, a virtude pode ser aquilo que sempre foi: ação desinteressada, calcada no próximo, sempre tendo em vista a pessoa que a receberá.

Se o mundo é um mundo de relações entre pessoas, e a virtude é o modo por excelência de se relacionar com as pessoas, que ela volte ao seu devido lugar, que é fora da pessoa que a pratica.

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