sábado, 13 de novembro de 2010

Reflexão sobre a natureza humana.

Durante milênios pensadores de todos os tipos, filósofos, teógolos e cientistas, têm tentado descobrir qual é aquilo que chamam de “natureza humana”. Por natureza humana deve-se entender aquilo que há de mais essencial no ser humano que o distingue dos outros animais. É descobrindo qual é a nossa verdadeira natureza que poderemos dizer o que é de fato humano e o que não é. Trata-se de uma característica que não apenas nos distingue dos outros animais, mas por ser fundamental, é determinante do nosso modo de agir, condicionando todas as demais ações que praticamos, pois tem nessa natureza seu núcleo fundamental.

Diversas respostas já foram dadas tentando responder a pergunta sobre qual é essencialmente a natureza do homem. Acho que posso dividi-las basicamente em três grandes grupos: as explicações religiosas- teológicas, as histórico-sociológicas e as naturalistas-cientificas. Tentarei expor muito brevemente cada uma dessas formas de se considerar a questão para depois expor o que eu penso a respeito. Não esperem exatidão conceitual pelo fato de serem explicações muito breves e generalizantes, principalmente pelo fato de em cada um desses grupos de respostas haverem divergências de enfoques e conseqüências, muito embora que acredito que se aproximem um pouco em termos mais gerais.

O primeiro grande grupo de respostas para a questão fundamental da natureza do homem é a religioso-teológica. Nesse modo de ver, a natureza básica do homem é determinada diretamente pela vontade de um Deus ou grupo de deuses criadores do mundo e do homem. O ser humano é aquilo que a divindade que o criou queria que ele fosse. Aqui existe uma relação direta entre a vontade de Deus e a vontade do homem, pois é Deus quem determina o homem e todas as características fundamentais que pautará sua ação.
Essa perspectiva é muito ampla, pois, como sabemos, existem diversas religiões que dentro da sua especificidade vêem a espécie humana de modo distinto, mas o que é importante aqui é ressaltar que o homem e sua natureza provêm de uma criação divina. Logo, existe uma maneira correta do homem agir, e essa maneira é aquela que não contraria a vontade da divindade.

Dentro desse modo de ver as coisas, gostaria de analisar mais de perto a visão de mundo proposto pela teologia cristã,  pelo simples fato de ter sido a cosmovisão cristã que dominou fundamentalmente o mundo ocidental por quase dois mil anos. Não se pode ignorar a importância daquilo que o cristianismo tradicional entende por natureza do homem pois esse modo de pensar ainda hoje exerce uma influencia decisiva em todo o mundo ocidental.

O cristianismo tradicional (e é bom que isso fique bem claro) vê o homem como um ser decaído. O ser humano pende para o mal de uma forma tão irresistível que ele é, por natureza, um ser afastado de Deus, que é o bem absoluto. Essa natureza decaída do homem o impede de praticar boas obras, a despeito de tudo que faça que seja pretensamente bom. Não há boa ação que o homem pratique que o traga para perto de Deus. A única forma do homem se redimir é através de uma ação de Deus em sua vida, visto que a mancha do pecado, que maculou o homem quando ele comeu a maçã no paraíso, mina todas as suas chances de ser visto bom aos olhos de Deus.

Em suma, para a visão cristã tradicional o homem é um ser que naturalmente pende para o mal, pois a mancha do pecado original está permanentemente em sua vida de um modo que somente a obra de Deus pode lhe salvar. É importante observar que, muito embora essa mancha do pecado na vida do homem não seja resultado da vontade divina, o homem foi criado fundamentalmente para fazer a vontade de Deus, logo é essa vontade que determina a natureza do homem.

A segunda abordagem, a histórico-sociológica é muito mais recente e os motivos que levaram a sua construção são complexos e não cabe serem aqui discutidos. Essa visão defende fundamentalmente que o homem não é fruto de uma vontade divina universal que se impõe aos seres humanos de uma forma inescapável. Ao contrário, a natureza do homem é social e histórica são as relações sociais que determinam, num  determinado momento histórico, a ação concreta do ser humano. Note-se que essa visão é materialista pois defende que são as relações materiais concretas entre os homens que determinam seu modo de viver. Mas essa aborgadem ainda não diz qual o tipo de relação social especifica que determina o modo de ser do homem.

Quem melhor respondeu essa questão foi o filosofo alemão Karl Marx. Defendendo a visão materialista do mundo, de que são as relações materiais concretas do homem que definem tudo em sua vida, desde a religião ao próprio modo de pensar, Marx definiu como relação material fundamental entre os homens as relações de produção. Por relações de produção deve-se entender o modo como os homens produzem os bens que necessitam num determinado momento histórico. Essas relações formam a infraestrutura fundamental que determina a superestrutura das relações humanas, que são a cultura, a política e a religião. Esse modo de ver exclui Deus da história na medida que diz que são as relações sociais em geral, e as relações de produção em particular, que  moldam a natureza do homem e seu modo de agir e de pensar.

Mais recente que essa abordagem é a visão naturalista-cientificista. Essa cosmovisão defende que não é Deus nem as relações sociais desenvolvidas na história que explicam a verdadeira natureza do homem. Essa é determinada, no sentido mais específico da palavra, pela sua constituição biológica. São as terminações nervosas cerebrais, as células e, mais fundamentalmente, os genes, que determinam rigorosamente as ações, pensamentos e explicam o porquê o ser humano age de determinada forma e não de outra. É na teoria da evolução de Darwin que essa idéia encontra seu pensamento mais acabado.

Segundo Darwin os animais em geral são fruto de uma longa e complexa evolução das suas características físicas. Começou com as mais fundamentais proteínas e culminou em toda a complexa biodiversidade que conhecemos. Essa evolução se dá através das necessidades de sobrevivência dos seres vivos as condições que o planeta apresenta. Os mais aptos sobrevivem e nosso modo de pensar e de agir é reflexo imediato dessa luta pela sobrevivência. Em suma, não existe liberdade. Tudo o que existe são nossos impulsos naturais que são determinados diretamente pela nossa constituição biológica. Não deixa de ser uma visão determinista do homem e da história, posto que ao homem cabe apenas compreender e viver o mundo conforme sua natureza.

Essas explicações objetivam fundamentalmente explicar e justificar o porquê do homem tomar determinadas atitudes no mundo. Tentam explicar as ações concretas do homem buscando para elas uma causa fundamental. A perspectiva religiosa atribui essas ações a uma divindade ou, no caso da teologia cristã, no ato de desobediência a divindade. A visão sociológica atribui as relações sociais do homem e, mais especificamente no marxismo, as relações de produção, o motor de explicação de todo o resto. A visão naturalista vê o homem fundamentalmente como resultado da sua constituição física, que surgiu das necessidades evolutivas expressas na teoria darwiniana.

Essas explicações em minha visão são todas criticáveis por um motivo primordial: por tentarem reduzir a natureza do homem a uma característica fundamental que o informa, acabam por empreender um reducionismo que não resolve a questão, antes deixa outras questões abertas. Ora, se isso não é verdade, falta teologia cristã explicar o porquê existe o belo e o bom no mundo se homem por si mesmo não pode fazer a vontade de Deus, posto que decaído. A visão sociológica não explica o porquê o homem se reúne em sociedade e porque essa característica é tão fundamental ao ser humano e porque num determinado período um modo de produção se sobrepõe a outro. A visão naturalista não explica porque o homem se volta a questões não naturais como Deuses, ou abstrações como o amor. Se tudo é movido pelas suas necessidades naturais, não faz sentido que o homem ocupe tanto do seu tempo com questões não naturais.

Minha visão é a do homem como paradoxo. Paradoxo é basicamente uma idéia que expressa uma contradição em si mesma. É algo que, em si mesmo, parece levar ao seu contrário. Na minha visão, não existe nada que possa descrever o homem em sua trajetória na história com maior perfeição do que o paradoxo. O paradoxo da humanidade está justamente no fato dela ter a capacidade de se reinventar e ir contra tudo o que se espera dela. O ser humano é uma contradição em espécie, que parece trazer em si o mal e o bem, o bom e o belo, o sagrado e o profano, tudo isso ao mesmo tempo.

Temos diversos exemplos na história de massacres providos pelos humanos contra os seus semelhantes, como as cruzadas, as diversas guerras santas, o preconceito, os genocídios, as limpezas étnicas e etc. Se tudo isso nos dá margem a decretar que o ser humano é uma criatura decaída,  fruto de relações sociais tortas ou que faz parte de algum tipo de mecanismo natural fruto de uma evolução sem sentido, também não faltam exemplos de manifestações do belo e do bom na nossa história. Podemos citar as diversas obras de arte, a musica, a poesia, a comédia e a filosofia. As lutas políticas pela liberdade e contra o pré-conceito. Os atos de pessoas como Francisco de Assis, Madre Tereza, Albert Schwaitzer, Martin Luther King que dedicaram as suas vidas a fomentar o bem e a caridade entre as pessoas. Mesmo aqueles que vivem cometendo atos de maldade e injustiças praticaram, em algum momento de suas vidas, ações que poderiam ser consideradas justas. Poncio Pilatos, que era um tirano, resistiu até o ultimo momento a mandar Jesus para cruz, pois não viu mal naquele homem. Pode-se dizer que, se o fez, foi por pura covardia de fazer impor sua vontade sobre a do povo que escolheu por matá-lo.

Em suma, se existe uma natureza do homem ela não pode ser procurada numa característica única que determine todo o resto. A natureza do homem é complexa e somente o paradoxo pode explicar mais completamente todas as diversas manifestações humanas no decorrer da história. E mais do que explicar, uma vez que compreendemos que o homem é apto tanto para o bem como para o mal, somos capazes de nos esforçar para fazer com que o bem de nossa natureza sobrepuje ao mal através da ação concreta na história. Falando em termos de teologia cristã, a imagem do paradoxo não nos deixa perder a esperança, pois, se temos a mancha do pecado em nós que nos faz pender em nós, temos também, ao mesmo tempo, a Imagem de Deus em nosso espírito, que nos impulsiona para bem e que somos capazes de fazer essa imago dei brilhar mais que a escuridão.

Um comentário:

  1. Confesso que já namorei a idéia do paradoxo que você propõe Mas acho que ela é mais uma tentativa de salvar os últimos resquícios da teologia da queda do que uma Idea final e conclusiva.

    Não existe queda, tal doutrina é uma explicação religiosa do estado atual do homem de perversidade e egoísmo, mas tal egoísmo não é pecado em si, mas apenas expressão espontânea do seu estado de animal homem.

    Nem um impulso humano deseja pecar, mas antes deseja a satisfação do seu instinto básico, que se for satisfeito de forma egoísta provavelmente prejudicará outra pessoa.

    O que a teologia faz e romantizar tudo isso, dando um toque apoteótico e épico em uma historia de criação queda e redenção do homem, que falhou a principio com uma idéia injusta de que toda a humanidade já nasceu perdida por decisão de um só homem, Idéia paulina para fazer de Jesus o redentor da humanidade, aproveitando assim uma vida tão rica com uma morte tão martíriosa como foi a dele.

    E o que salva da teologia é se valor mítico explicativo, e por isso vou colar aqui um texto antigo meu:

    “A filosofia da Queda

    O mito é o recurso humano literário usado por grandes mentes sensitivas da humanidade para narrar em fabulas e parábolas um “acontecimento” que se dá fora do tempo e do espaço e também do alcance da capacidade de compreensão do entendimento humano.

    A mitologia em sua essência nunca se propôs a produzir histórias e contos irreais para entreter ou iludir o povo, mas antes encarou como sua função relatar em signos e símbolos aquilo que as palavras e a mente humana não poderiam verbalizar.

    O mito da Queda do homem em Gênesis é a explicação alegórica da origem do pecado no mundo, não se tratando necessariamente de uma história literal com todo o seu enredo e personagens que brilhantemente nos trazem a luz a verdade essencial da queda do Ser imaterial do homem ao estado de existência.

    Antes da Queda o homem não existia, apenas era. O estado adâmico primário é a condição de essencialidade e possibilidades de vivências antes do Ser se materializar nas conjunturas e vicissitudes da existência concreta onde as manifestações exteriores ao Ser afetam profundamente o agir do ente personificado no mundo.

    Na pureza do Éden o homem não fazia escolhas morais consciente do bem e do mau, não tinha a plena liberdade de ação, não tinha a ciência de causa e efeito, ou seja: o homem não existia na existência concreta das possibilidades de experiências e escolhas, apenas vivia no seu estado embrionário de probabilidades.

    Não há em nem um momento na historia de Adão e Eva a afirmação ou sugestão de que a natureza humana foi mudada ou pervertida como conseqüência da desobediência, mas apenas o relato de que o homem foi expulso do paraíso pára viver na terra árida. O que é a mesma coisa que dizer que ele deixou de ser Feto planejado e protegido na mente de Deus para ser Fato na existência ariscada e entrelaçada com o mundo.

    Portanto a alegoria da Queda relata a verdade de que o Pecado Original nada mais é do que a degeneração do Ser no seu nível de pureza elementar não influenciável ao estado de existir complexo de interligações que determinam, afetam e formão o ente humano no plano intricado das suas relações contraditórias de interagir com o mundo em sua complexidade existencial.”

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